quinta-feira, 3 de maio de 2007

D. Sebastião

"Também na vida privada existem D. Sebastiões. São aquelas pessoas que esperamos nos venham arrebatar de vidas enfadonhas e sem graça." (Nuno Nodin)

Reza assim uma crónica que desencantei numa revista feminina. Fala sobre os princípes/princesas encantados, essas figuras miticas que povoam o nosso imaginário. Todas recusamos assumir que o esperamos e a espera é aquela velha faca de dois gumes: desespera-se ou alcança-se?

Há quem tenha a felicidade de encontrar um aceitável substituto da sua alma gémea idealizada. Não se chama a isto contentar-se com o que vem à rede é peixe, mas apenas um franco exercício de bom senso. Além de que se aceita universalmente que o mais repelente sapo se pode transformar num etéreo princípe, seja qual fôr a imagem congeminada no nosso sub-consciente.

A crónica aponta o dedo aquelas pessoas que vão rejeitando sucessivos candidatos ao lugar de soberano, aquelas que optam por esperar o cavalo branco e respectiva montada. Esquece aquelas outras pessoas que nunca foram eleitas para experimentar o sapato de cristal, aquelas outras pessoas que não se debatem com sucessivos proponentes...

Há pessoas que esperando ou não um D. Sebastião se perdem no nevoeiro e não chegam a cruzar-se com ninguém.

Será então justo acusar aqueles que esperam de snobismo quando podem ser vítimas de falta de oportunidades? Alguns não exercem qualquer tipo de preconceito social, ficando até bastante satisfeitos em encontrar um "plebeu".

"Também as figuras míticas da vida amorosa, quando surgem, podem ser autênticos flops. Quanto maior a expectativa. maior a queda e, por vezes, pensa-se que se encontrou o principe, quando apenas se deu de caras com o bobo. Porém, há que não esquecer que a felicidade também pode ser possível com o bobo." (N. Nodin)

E eu acrescento, a felicidade com o bobo é efémera. Porque o bobo é uma encenação, uma máscara.

O mesmo se aplica quando julgamos ter encontrado o tal principe que sendo coroado se transforma no rei vai nu... mas o logro é humano e a felicidade será sempre finita, no tempo e no espaço, porque é um estado onde transitamos no caminho de um para outro lugar.

"Um dia ele há-de surgir" é o nome da crónica... E o que diz a avó esperançada, as amigas piedosas, a cabeleireira que insiste em meter conversa, em gastar palavras. Gastam-se indiscriminadamente palavras. Dizem-se coisas impunemente, sem critério... "Amo-te... quero passar o resto dos meus dias contigo..." Mexem-se os lábios que vomitam palavras. Quando o slogan devia ser "Amo-te enquanto restarem os meus dias contigo!" O amor é uma das armadilhas do efémero.

Dizem os pais desesperados para serem avós e cumprir a ordem natural. "Vais ver, ele há-de chegar e tu vais logo perceber que é o TAL!" Dentro de nós cresce a pressão de tentar desencriptar qualquer sinal emitido pelo outro género da nossa espécie. E se eu não perceber que é o tal? E se o meu radar estiver avariado? E se ele falar numa lingua que eu não domino? E se ele fôr mudo e eu surda? E se ele chegar e eu me atrasar e nos desencontrarmos na suposta encruzilhada que nos juntaria?

E se D. Sebastião tem regressado?

1 comentário:

sofia disse...

Acho que o D. Sebastião está perdido no noveiro do que somos. Está cravado na nossa imaginação, para que possamos acreditar no sal que tempera o amanhã...