sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

A Perda


A perda é um sentimento horrível. Mesmo quando se reporta a coisas menores: o clube que não ganhou o campeonato, os óculos de sol que se esqueceram na esplanada da praia, o postal que um amigo enviou quando foi a Paris... Perder a juventude, a esperança... alguém que se ama, porque morreu para o mundo ou porque morreu o que havia entre nós, afunda o ser humano que se digna a sentir e a chorar, nem que secamente engula as lágrimas que ferem o orgulho e a imagem hiper-preservada neste mundo aparente de exigências bárbaras e subtis.
Mas nada oculta o facto da perda ser um sentimento horrível. Capaz de nos fazer viver num engano constante de que nada se perde mas tudo se transforma. Na Natureza esta célebre frase é uma verdade incontestável, um paradigma de sobrevivência que admitimos pela sua indubitável sustentação científica. Mas o mesmo não se pode aplicar ao Homem, esse ser vivo fisicamente insignificante que teve e detém a habilidade mordaz e sinistra de modificar a própria Natureza que lhe deu vida.
Alguns racionalistas poderiam afirmar que a aplicação da referida máxima é realizável no ser humano, com a justificação de que até a mais dolorosa perda pode ser transformada noutro qualquer sentimento. Eu não vejo como tal é possível. Perder é deixar algo vazio e se tivermos a pretensão de achar que esse espaço pode ser preenchido, é porque aquilo que perdemos não era verdadeiramente nosso... era um sentimento emprestado para suprir uma necessidade momentânea, era alguém que alugou vazios esporádicos que em nós despontaram, mas nunca viveram genuinamente em nós, connosco e por nós.
Há perdas necessárias. O medo do escuro, os dentes de leite, a virgindade... Para estas a lei do nada se cria, nada se perde e tudo se transforma, é aceitável. O medo do escuro é substituído pelas mais variadas fobias. Os dentes de leite pela dentição definitiva que o tempo fará perder em troca de placas artificiais, sem que a imagem de uma boca completa se perca, mas se transforme. A virgindade... em troca de um luxurioso despojamento que termina, irremediavelmente, num sentimento de abandono e perda de um pouco de nós, felizmente capazes de nos recriarmos e regenerarmos, sempre prontos a dar mais.
Assumo que sou uma má perdedora. Sofro com todas as pequenas perdas que me acompanham desde o nascer. Por cada lágrima que escapa ao controle cerrado das minhas emoções. Por cada pedaço de mim que os meus olhos não conseguem ocultar. Por todas as coisas que não tenho oportunidade de perder...

1 comentário:

sofia disse...

Acho que somos todos maus perdedores...Há perdas que duram para sempre. A perda ameaça-nos os sonhos, as pequenas loucuras que nos adoçam a vida, aquela vida de todos os dias. Também há perdas que depois, nos fazem saber saborear melhor o que está à nossa volta, mas será sempre tarde demais. O passado já foi, a perda também, a dor também...resta a cicatriz. Depois do fogo, resta a cinza... vazia do crepitar, vazia de cor, vazia de calor, vazia de vida.