quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

O pecado do Natal

A avareza perde tudo ao pretender ganhar tudo.Jean de La Fontaine

Nada mais oportuno que abordar o pecado da avareza nesta época de paz, solidariedade e de generosidade. Uma contradição? Talvez.


Chega Dezembro e é uma correria ao Colombo e seus congéneres. Luzes ensurdecedoreas, ladaínhas irritantes, sobrecarga de estímulos para os nossos sentidos... As capitais de consumo fervilham e as pessoas são assaltadas por uma vontade incontrolável de dar. Dar cada vez mais e melhor para que todos falem do que se deu e da genialidade e bondade de quem deu... Subverte-se o conceito de dádiva, embora ele próprio nunca consiga apartar-se de um secreto desejo egoísta de se receber algo em troca. Está sempre implícito o retorno... ninguém vive incondicionalmente.


Noite de consoada, às doze badaladas alguém veste um fato vermelho e põe umas barbas de algodão. Traz um saco carregado de tudo e mais qualquer coisa e os miúdos rasgam papel de embrulho à velocidade do TGV. Não têm tempo para ver o artigo descoberto, outro há para desvendar. Generosidade ou culto do materialismo? Ter mais e mais, embriagados com cada vez mais tudo, soterrados nos multiplicidade dos que temos e ostentamos... quando despidos de tudo, não possuimos verdadeiramente nada.


Crescemos a ouvir "grão a grão enche a galinha o papo" ou a alegoria da cigarra e da formiga que enaltece a poupança e o comedimento. Os media, a publicidade, o contexto económico destes anos incitam à poupança, ao velhinho pé de meia para usar em dias mais cinzentos. Não serei apologista do desbarato, do carpe diem inconsequente mas onde está o meio-termo, essa virtude que Aristóteles já ensinava? Poupemos... mas nunca o coração. Andamos inchados com a auto-proclamada generosidade (pecado da vaidade aí em força...) dos subsídios de Natal destilados no centro comercial, e economizamos no amor, nos abraços e sorrisos, nas palavras que não pesam nada e valem ouro.


Somos avarentos no nosso viver. Guardamos o tempo para o usufruir quando tivermos mais tempo. Depois o tempo passa e a nossa pseudo-riqueza desvaloriza na banca. Ofereçamos sem receio o sopro da nossa alma, é um investimento seguro que duplica os rendimentos exponencialmente.





Mammon (pt: Mamon) é o ídolo pagão citado no Novo Testamento para descrever o culto a riqueza, a avareza e o ganho material

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