sábado, 6 de janeiro de 2007

O fantástico

(Bosh)

O ser humano é fantástico... pela capacidade que tem em se enganar a si mesmo. Pela cega esperança que o faz acreditar em coisas que ele sabe impossíveis, coisas em que nem ele próprio acredita. Pela ingenuidade que se auto-inflige perante os momentos difíceis. O ser humano é sem dúvida um parente afastado da avestruz... enterra a cabeça preferindo não ver o que já irrompeu pelos seus olhos dentro, pelo seu corpo e alma.
Nem sei porque falei em alma. Nem acredito que exista... seria tão mais reconfortante se acreditasse.
Às vezes sinto que as milhares reacções bioquímicas falham em dar resposta a outras tantas questões que me povoam e afligem... Tal como me falha a espiritualidade. Não sei se não acredito no Outro Eu por ser racionalista ou se é por me ter sempre visto e sentido racionalista que sou incapaz de acreditar em Algo.
Só sei que eu, exemplar de bioquímica avançada que nenhum prémio Nobel conseguiu ainda decifrar, ainda procuro as respostas universais que muitos, comodamente, resolveram aceitar como suas, à luz de múltiplas doutrinas de outros mas que se confundem numa só.
Eu, fantástica como todos por me tentar enganar, ao mesmo tempo que teço a mentira que me imponho, o que por si só é um paradoxo universal.
Todos sabemos que vamos morrer. Mas não temos a morte como certa. É um conceito que facilmente admitimos para o vizinho ou para daqui a muitos anos. Muitos anos é sempre a distância que nos afasta do inevitável.
Ao contrário do que a palavra sugere, o inevitável é sempre algo que entendemos como distante. Certo mas longínquo... Nada o pode evitar mas irá chegar um dia, de preferência sem pressa. Com a certeza de que para os outros vai chegar sempre mais rápido.
A única morte pacífica é subita. É a única forma de não ser assaltado pelos fantasmas da incerteza, os demónios da dúvida se existe Algo mais...
Se Deus existe, parece-me a mim que esta é a sua última vingança... aproveitar os últimos momentos do Homem para o por à prova, para testar a fé e lealdade que muitos tentam urgentemente negociar para encontrar o tal Lugar e, supostamente, morrer em paz... mas sempre perseguidos pelo medo.
Somos fantásticos, os seres humanos, envoltos num masoquismo heróico que nos permite ter esperança de que a morte é inevitável, a alguns anos luz de distância...

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