sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

O Marasmo

O tempo é o maior inimigo da alma. Ter tempo é sinónimo de pensar em coisas que a ausência do mesmo me ajuda a esquecer.
Quando tenho tempo parece-me que o espaço encolhe. Tudo me parece perto pois não me falta tempo para percorrer as distâncias que se atravessam no meu caminho. O tempo é uma expressão do marasmo que me invade. Tenho tempo para tudo... e consequentemente, não consigo fazer nada.
A inércia paralisa-me, especialmente o raciocínio. A emoção é antes projectada em mim exponencialmente, o que torna o tempo o maior amigo da minha angústia.
Não reconheço as propriedades medicinais que o senso comum atribui ao tempo. Algumas feridas não saram saudavelmente, transformando-se antes em quelóides sinistros que mutilam e destroem as representações reflexas do nosso ser.

Quando não tenho tempo sou parcialmente feliz. Isso obriga-me a construções e jogos mentais que elaboro incessantemente na tentativa de preencher o vazio. Mas abraço por momentos a felicidade de ser algo útil e produtiva, ainda que edifique castelos de areia que o vento ou o mar irão disputar e reduzir a nada. Os meus projectos são esboços transparentes que mal arranham o papel. São cinzas que o meu próprio sopro espalha.
O tempo não marca apenas os traços do meu rosto ou o peso nas minhas pernas. É letal para as minhas ambições de inconsequência ponderada e receosa.
Ter tempo dá-me sono. Mas um sono nefasto, estéril de sonhos, ou seja, ausente dos poucos artifícios que mantenho para garantir uma sanidade mental capaz de me fazer atravessar, discreta, subtil, espectral e impune, o caminho dos vivos de coração.

E neste marasmo me arrasto... tenho tempo para tudo, até para não fazer nada...

1 comentário:

nadie disse...

O tempo...
ja nao sei onde li, penso que tenha sido nalgum conto oriental...ter tempo, possibilita-nos acima de tudo conhecermo-nos, sentir e ultrapassar a barreira do despojamento interior,no fundo saberes bem o interior do teus pensamentos e um pouco até onde poderás explorá-los, pois a finitude da vivência humana não permite de todo explorar o limite das experiencias que gostariamos de ter...
ter tempo, está ligado a uma solidão interior...uma solidão unica que te permite "escutar" melhor o teu mundo interior sei que por vezes ele reclama-nos de mais...mas se nao tiveres medo de ouvir tudo o que ele tem para dizer, irás construir da forma mais genuina e completa possivel o que te ocorrer....por isso aproveita esse "marasmo"...tem a sua parte positiva...:)